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Textos e Contextos
do Orientalismo Português

Aniceto dos Reis Gonçalves Viana (Lisboa, 1840 – Lisboa, 1914)

Aniceto dos Reis Gonçalves Viana
© 1916. Boletim da Segunda Classe X (3, ago.-set.): 606.
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Gonçalves Viana foi um autodidata no que respeita à sua especialização no domínio da Filologia. Para fazer face às dificuldades financeiras que a família atravessava, viu-se forçado, por volta dos dezassete anos, a abandonar os estudos liceais. Em 1858, entrou para o serviço público como aspirante da Alfândega do Consumo e, desde então, foi recebendo consecutivas promoções pelas funções desempenhadas. Em 1885, na Alfândega de Lisboa, chefiava já a secção de Contabilidade e da 3.ª Repartição e, em 1913, ascendia a Chefe da 1.ª Repartição. 

A par da atividade profissional, foi aprofundando competências linguísticas várias. Em 1869, fez o curso de Grego na Biblioteca Nacional de Lisboa, sob a regência do professor António José Viale (1886-1889). A esta língua clássica e aos conhecimentos que já detinha de Francês e de Latim veio a acrescer o Sânscrito: entre 1877 e 1878, frequentou o curso de Sânscrito, anexo ao Curso Superior de Letras e dirigido por Guilherme de Vasconcelos Abreu. Como fica patente pelo trabalho que Gonçalves Viana viria a desenvolver no âmbito da linguística comparada, demonstrou também interesse por vários outros idiomas, europeus e asiáticos, chegando a publicar traduções a partir de alguns deles.

Os primeiros estudos que Gonçalves Viana publicou datam de 1880. Nesse ano, foi nomeado secretário do 9.º Congresso de Antropologia e Arqueologia Pré-Históricas, evento internacional que teve lugar em Lisboa. Gonçalves Viana foi responsável pela compilação e coordenação dos trabalhos apresentados à secção geológica, cujas provas terá revisto em conjunto com o paleontólogo Jorge Cândido Berkeley Cotter (1845-1919), com quem publicaria, mais tarde, trabalhos em coautoria. De igual modo viria a ser frequentemente requisitado por Vasconcelos Abreu como revisor dos seus trabalhos, formando ambos uma dupla ativa e de trabalho colaborativo bem-sucedido.

É em 1883 que o nome de Gonçalves Viana surge, pela primeira vez, associado aos Congressos Internacionais de Orientalistas, ao constar da lista de membros da sessão de Leiden, a par do de Vasconcelos Abreu, onde, no entanto, nenhum dos dois apresentou qualquer trabalho. De novo com Vasconcelos Abreu, surge ligado à sessão de 1889, em Estocolmo e Cristiania, em que, conforme o relato de J. de Baye (1889, 6), terão sido nomeados como os sábios (orientalistas) mais conhecidos de Portugal. Sabe-se que Gonçalves Viana assistiu ao evento na Suécia, por dar testemunho dessa estadia nas suas Palestras Filolójicas (1910, 204-205); também Ângelo Sárrea de Sousa Prado se terá aí cruzado com o filólogo. No Congresso Estatutário de Londres, em 1891, aparece não apenas como membro subscritor, mas também, e mais uma vez em parceira com Vasconcelos Abreu, como delegado da comissão organizadora em Portugal. Em 1892, associa-se, pela última vez, ao X Congresso Internacional de Orientalistas, que estava então agendado para Lisboa. Para esta sessão preparou e publicou, através da Imprensa Nacional, três trabalhos no âmbito da linguística comparada. 

Focando os seus interesses na Filologia Portuguesa, foi constante o seu empenho na tentativa de regularização e normalização da ortografia portuguesa, para além de ter tido um papel importante na disseminação da investigação filológica em curso tanto em Portugal como no estrangeiro, através sobretudo das recensões que foi escrevendo. Em paralelo à atividade científica, e dando uso ao seu poliglotismo, foi responsável por diversas traduções.

Como prova do seu estatuto de especialista, foi, em 1900, eleito membro da comissão para a revisão da nomenclatura geográfica portuguesa junto da Sociedade de Geografia de Lisboa, de que era membro desde 1899. Neste ano foi também relator de uma proposta de programa para o ensino da geografia colonial em Portugal pela Secção de Ensino Geográfico. Pelo menos em 1894, presidiu a Comissão Asiática, à qual chegou também a apresentar uma proposta para a fixação da acentuação gráfica em Português. Em 1911, foi ainda eleito, juntamente com outras personalidades, membro da comissão responsável pela primeira grande Reforma Ortográfica da Língua Portuguesa, tendo o cargo de relator. 

Gonçalves Viana foi sócio correspondente da Academia Real das Ciências de Lisboa. Nessa qualidade, colaborou de forma ativa no seu Boletim da Segunda Classe. Terá sido indicado, em 1912, pela Segunda Classe, para a comissão de apreciação do Manuel international de transcription des sons de la langue mandarine. Este manual foi mandado imprimir pelo sinólogo René Martin-Fortris na imprensa nacional parisiense, na sequência de uma resolução tomada no XII Congresso Internacional de Orientalistas (Roma, 1899), cujas provas foram apresentadas ao XVI Congresso Internacional de Orientalistas de 1912, em Atenas. Não se conhecem, porém, resultados nacionais desta iniciativa.

Da rede de sociedades científicas a que Gonçalves Viana esteve formalmente ligado também fizeram parte o Instituto de Coimbra, a Association des professeurs de langues vivantes, a Gesellschaft für Romanische Literatur, a Sociedade Hispânica da América, a Sociedade de Folclore Chileno ou a Academia Brasileira de Letras. Estas ligações formais estão patentes nas suas colaborações com periódicos nacionais e internacionais.

O universo de poliglotismo em que circulava leva a crer que Gonçalves Viana se tenha correspondido com diversos intelectuais ocidentais, apesar da escassez de documentação epistolar disponível. Para além de Hugo Schuchardt, correspondeu-se e privou com outros filólogos estrangeiros, como o austríaco Jules Cornu (1849-1919) ou o príncipe francês Louis-Lucien Bonaparte (1813-1891). Conhece-se ainda alguma da correspondência trocada com o arqueólogo francês Émile Cartailhac (1845-1921), com o médico e bibliógrafo português Xavier da Cunha (1840-1920) ou com Bernardino Machado (1851-1944).

 

Bibliografia selecionada do autor

1883. Essai de phonétique et de phonologie de la langue portugaise d’après le dialecte actuel de Lisbonne. Romania XII (45): 29-98. Disponível em https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k16021k e http://purl.pt/192.
1884. Études de grammaire portugaise. Louvain: Typographie de Charles Peeters, Libraire.
1885. [coautoria com G. de Vasconcelos Abreu] Bases da Ortografia Portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional [circulação gratuita]. Disponível em http://purl.pt/437.
1892. Simplification possible de la composition en caractères arabes. Mémoire présentée à la 10ème. Session du congrès international des orientalistes. Lisboa: Imprensa Nacional/Sociedade de Geografia de Lisboa. Disponível em http://menadoc.bibliothek.uni-halle.de/ssg/content/titleinfo/283915.
1892. Exposição da Pronuncia Normal Portuguesa para Uso de Nacionais e Estrangeiros. Memoria destinada á X sessão do Congresso Internacional dos Orientalistas. Lisboa: Imprensa Nacional/Sociedade de Geografia de Lisboa. Disponível em http://purl.pt/146.
1892. Deux faits de phonologie historique portugaise. Mémoire présenté à la 10ème session du Congrès international des orientalistes. Lisboa: Imprensa Nacional/Sociedade de Geografia de Lisboa. Disponível em http://purl.pt/221.
1894. Les Langues littéraires de l’Espagne et du Portugal. Revue hispanique I (1): 1-21. Disponível em http://scans.library.utoronto.ca/pdf/4/26/revuehispaniquer01hispuoft/revuehispaniquer01hispuoft.pdf.
1896. Les Vocables malais empruntés au portugais. Leide: E.J. Brill.
1897. [coautoria com J. Leite de Vasconcelos] Mappa Dialectologico do Continente Português. Lisboa e Paris: Typ. Guillard Aillaud. Disponível em http://purl.pt/28020.
1912. Vocabulário Ortográfico e Remissivo da Língua Portuguesa. Contendo cêrca de 100.000 vocábulos, conforme a ortografia oficial. Paris e Lisboa: Aillaud, Alves e C.ª. 3.ª ed. disponível em http://purl.pt/424.
 
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última atualização em abril de 2018